Perfeição


O homem que pintou o coelho


Tradição Chinesa

Era uma vez, na longínqua China, um homem cuja ocupação preferida era pintar.

Pintava pássaros. Pintava lebres. Pintava os peixes no ribeiro.

Os vizinhos e os amigos e todas as crianças da aldeia elogiavam-no e diziam:

— Os animais que pintaste parecem mesmo verdadeiros.

O homem tornou-se orgulhoso. E pensava:

— Ninguém no mundo consegue pintar animais como eu. O meu desejo era que os meus animais ganhassem vida.

Então, os animais pintados ganharam vida.

Os pássaros abriram as asas. Os peixes agitaram as barbatanas. As lebres espetaram as orelhas e farejaram com os seus narizes.

E saltaram para fora dos desenhos.

— Oh! — disse o homem satisfeito.

Mas, ao olhar com mais atenção, assustou-se. Os pássaros batiam as asas pesadamente e não se aguentavam no ar.

Os peixes, que tinham saltado para o ribeiro, nadavam de barriga para cima.

As lebres coxeavam.

O homem chorou ao ver os pobres animais. E disse:

— Não os pintei suficientemente bem. Que o meu desejo só se realize quando eu souber pintar bem.

O homem recomeçou a pintar. Começava de manhã cedo até à tardinha.

Afadigava-se como um lavrador no campo, como um trabalhador numa pedreira, como um boi à frente do carro. Quando os vizinhos o elogiavam, meneava a cabeça.

— Ainda não está suficientemente bem — dizia.

O homem foi envelhecendo. Esqueceu o desejo que tinha. Desenhava o sol e, enquanto desenhava, alegrava-se por ele existir. Desenhava as pedras e, enquanto desenhava, alegrava-se por elas. Tornou-se o pintor mais famoso do país.

O seu jardim estava cheio de crianças que o observavam enquanto pintava, e ele mostrava-lhes como eram lindas as coisas.

Um dia, uma menina abeirou-se dele e disse-lhe:

— Estou triste, e sabes porquê? Todos os outros meninos têm animais que podem acariciar e amar. Só eu é que não. Gostava tanto de ter um coelho. Podes desenhar-me um? Ao menos fico com um desenhado...

O velho homem pegou no pincel e desenhou um coelho. A menina disse:

— Faz-lhe uma mancha preta no nariz. Assim, fica exactamente como eu queria.

O velho homem desenhou uma mancha preta no nariz do coelho e sentiu que o nariz ganhava vida.

O nariz farejou. As orelhas compridas espetaram-se e um tremor percorreu-lhe o pêlo. O coelho virou a cabeça para a menina e, com um grande salto, pulou do desenho para os seus braços.

A menina encostou a cara ao pêlo macio.

— Que coelho tão lindo e amoroso! — disse. — Obrigada!

E saiu dali com o coelho, a correr tão contente, que nem uma só vez se voltou para o velho. Este ficou sentado à sua mesa, quieto e feliz, como se tivesse adormecido.

Lene Mayer-Skumanz (org.)
Jakob und Katharina

Wien, Herder Verlag, 1986


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