Justiça


A lei das leis

Naquele tempo reinava no país um velho rei. Era um pai amoroso, justo, um homem recto. Mas era cego. Um dia, mandou erguer à entrada do palácio um grande pilar decorado com figuras de antepassados e com pequenos poemas. No topo, mandou colocar um sino cuja corda cairia para a praça pública. Feito isto, mandou publicar o seguinte aviso: «Se alguém sofrer alguma injustiça, venha aqui tocar. O meu juiz virá cá fora e julgará segundo a lei das leis.»

Aconteceu que uma serpente fez o ninho na erva, à beira da muralha. Uma tarde, enquanto ela se aquecia à beira do rio com as crias, um soldado, cansado, rolou uma pedra sobre o ninho de palha da serpente e sentou-se a beber. Quando a serpente voltou, já não tinha abrigo. Chegada a noite, foi à praça onde a corda pendia, enrolou-se nela e sacudiu-a tanto que o juiz, meio atordoado, saiu cá fora, na noite clara. Procurou aqui e ali quem pudesse ter tocado; viu apenas um cão a vaguear na rua deserta. Encolheu os ombros e deu meia-volta. Quando ia a entrar, a serpente ergueu-se de repente diante dele, estendeu a cabeça chata e disse com voz humana:

— Há pouco, um soldado destruiu o meu ninho. Segundo a lei das leis, é justo o que ele fez?

— Metes-me medo — respondeu-lhe o juiz.

— Também tu, fica a saber. Mas devemos, por isso, perder a confiança no direito?

— Claro que não — disse o juiz. O diabo tem a sua casa, Deus e os homens também. Segundo a lei das leis, a tua casa vale tanto como a minha. Amanhã, apresentarei a tua queixa ao rei.

Na manhã seguinte, quando o juiz falou na câmara real, o rei cego colocou umas lentes azuis, para recordar o céu, meditou um momento e disse:

— Que esse soldado devolva à serpente o seu ninho. E que não falte lá o mais pequeno tufo de erva. Exijo que fique exactamente como era antes de ele o esmagar.

Tal foi feito nesse mesmo dia.

O rei, nessa noite, deitou-se cedo. Ora, enquanto ressonava na sua almofada branca, a serpente introduziu-se no quarto pela janela aberta. Segurava na boca uma pedra brilhante. Um escudeiro viu-a a deslizar pelo solo. Chamou a guarda. Postaram-se à volta da cama.

— Deixem-na — disse a todos o Justo, sonolento. — Esse humilde animal conhece a lei das leis.

A serpente ergueu-se prontamente sobre o leito. Subiu pelo edredão até à face do rei, depôs na sua fronte a bela pedra cintilante e partiu apressadamente por entre os pés das pessoas.

O rei abriu os olhos. Já não era cego. Apagou a luz e adormeceu feliz.

Henri Gougaud
La Bible du Hibou

Paris, Ed. du Seuil, 1993


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