Nas asas do conto


O Avô Lop


No fundo da floresta dos sonhos há uma densa moita. Os ramos entrelaçam-se bem no alto e formam um guarda-chuva verde e viçoso, que protege dos aguaceiros de cristal do início de Abril e de Maio todos os seres que ali vivem. A chuva cai durante uma ou duas horas e, depois, o sol, com os seus raios dourados, escorre pelas folhas até ao chão.

Foi nesta moita que brincaram e viveram os coelhos da floresta durante toda a vida. Havia coelhos com grandes rabos fofinhos, coelhos quase sem rabo – pequenos, gordos, magros, peludos – e um coelho muito velhinho chamado Avô Lop.

O Avô Lop era tão velho que há já muito tempo o seu pêlo embranquecera. Usava um velho cachecol à volta do pescoço e andava sempre com um pau nodoso que lhe servia de bengala.

Todas as tardes, por volta das duas ou três horas, o Avô Lop sentava-se no seu tronco preferido a desfrutar do calor do sol. Sentava-se em silêncio até que – sem que se apercebesse – todos os coelhinhos pequenos se juntavam aos seus pés. Eles bem tentavam ficar calados, mas era-lhes tão difícil que alguns até tinham de meter as orelhas na boca para não se rirem.

O Avô Lop recostava-se no tronco, olhava em volta e começava, numa voz muito suave e baixa:

Em tempos que já lá vão, no país da névoa e das coisas mágicas, havia uma floresta encantada…

À medida que ia contando a história, muito devagar, algo de estranho e maravilhoso acontecia. O Avô Lop começava a endireitar-‑se cada vez mais. A luz do sol incidia nos seus olhos castanhos e deles emanava, em raios cintilantes, para toda a floresta. Até o seu pêlo reluzia.

Enquanto ele contava a história, os coelhinhos ficavam completamente deslumbrados, porque, de um momento para o outro, o velho Avô Lop transformava-se no Mago da Floresta. Os coelhinhos estavam tão fascinados pela história, que nem davam conta de ela chegar ao fim. O Avô tinha de dizer:

Agora é tempo de irem, coelhinhos.

E lá regressavam eles, aos saltinhos, à moita da floresta.

Mas os coelhos mais velhos foram ficando cada vez mais preocupados com os pequeninos. Certo dia, depois de eles terem desaparecido como de costume, os coelhos mais velhos reuniram-se.

Aonde é que eles irão? — perguntavam uns aos outros. — Desaparecem todos os dias à mesma hora.

Aposto que saem para ir ver aquele velho e inútil Avô Lop — disse um deles. — Só sei que não andam a fazer coisa boa!

Conversaram e frasearam durante algum tempo e decidiram que, mal os coelhinhos voltassem nessa tarde, iriam descobrir exactamente o que estava a acontecer.

À hora do costume, os coelhinhos regressaram e, como combinado, os coelhos mais velhos perguntaram-lhes onde tinham estado.

Bem — disse um — fomos à floresta ver o Avô Lop e ele contou-nos a mais maravilhosa história da floresta. E enquanto a contava, aconteceu a coisa mais mágica e maravilhosa: o Avô Lop transformou-se no Mago da Floresta!

Eu sabia! — disse um dos coelhos mais velhos, encolerizado. — Aquele coelho velho só conta mentiras aos miúdos.

Mas é verdade! — protestaram os coelhinhos em coro. — Quando ele nos conta histórias, aparecem sempre estrelas e faíscas. É magia!

Os coelhos mais velhos pularam para o lado e falaram em surdina uns com os outros, olhando de vez em quando por cima do ombro. Finalmente, regressaram, zangados, para junto dos mais novos e disseram:

Achamos que vocês estão a mentir, porque não existe magia. Por isso, vão já para a cama sem jantar e daqui para a frente estão proibidos de tornar a ver esse Avô Lop!

Com as lágrimas a correrem dos olhos, os coelhinhos arrastaram-se até às suas camas. Tinham o coração pesado e o estômago muito vazio.

No dia seguinte, como de costume, o Avô Lop sentou-se no seu tronco preferido a apanhar sol e à espera de que os coelhinhos aparecessem. Fartou-se de esperar e deve ter mesmo passado pelo sono, porque acordou, sobressaltado, quando o sol estava já a pôr-se. Para seu espanto, não havia coelhinhos nenhuns à sua volta.

“Se calhar esqueceram-se”, pensou, “mas de certeza que amanhã se vão lembrar”. Dito isto, partiu a manquejar em direcção à sua toca na floresta.

No dia seguinte, e no outro, foi um Avô Lop entristecido que esperou e esperou pelas crianças, que nunca mais apareciam. Por fim, já desesperado, foi, aos saltos, até à grande moita do bosque, à procura de algum sinal dos coelhinhos.

À medida que caminhava pelo carreiro sinuoso, fortemente apoiado na bengala, encontrou um dos coelhos mais velhos.

Bom dia! — saudou, inclinando a cabeça hirtamente. — Ando à procura dos coelhinhos do bosque. Costumava contar-lhes histórias, sabe, mas eles deixaram de vir.

Pois ainda bem! — grunhiu o coelho grande. — Tudo o que aqueles coelhinhos aprenderam consigo foi a mentir e a inventar histórias.

O Avô Lop ficou chocado.

Mas eu nunca lhes ensinei a mentir — disse. — Só lhes contei as maravilhosas e mágicas histórias do bosque!

Pois já não vai contar mais nenhuma — disse, irritado, o coelho, enquanto saltava de novo para dentro da moita.

Foi um Avô Lop muito mais triste e envelhecido que regressou à sua toca na floresta, com uma lágrima a descer-lhe pelas bochechas.

Sem nada com que ocupar agora os dias, o Avô Lop vagueava sem destino pela floresta. Ainda chegou a ir uma ou duas vezes à grande moita da floresta, mas, assim que aparecia, os coelhos mais velhos conduziam os coelhinhos para o lado oposto.

Vai-te embora! — gritavam-lhe então. — Não queremos coelhos velhos na nossa moita.

E, com isto, todos os coelhos fugiam precipitadamente para as suas tocas.

Completamente sozinho, o Avô Lop deixava a moita e voltava para o seu canto do bosque.

Os coelhinhos-bebés fizeram o que lhes mandaram, mas não conseguiam esquecer os sortilégios do Mago da Floresta. Às vezes, quando estavam todos sozinhos, costumavam segredar o quanto tinha sido divertido. Mas, a maior parte das vezes, arrastavam-se pela moita, levantando a poeira e sentindo-se muito tristes.

Os coelhos mais velhos tentavam animá-los e até lhes contavam uma história ou outra, mas não era a mesma coisa.

As coisas pioraram tanto que os coelhinhos começaram a discutir uns com os outros. Começavam por um encontrão mas acabavam sempre num emaranhado de braços, pernas e orelhas a lutar no chão.

A certa altura, como alguns dos coelhos mais velhos já não aguentavam mais, reuniram os coelhos todos.

Isto tem de acabar — disseram. — Com lamúrias e disputas não se consegue fazer mais nada. Já não se vai buscar comida, já não se constroem novas tocas e o Inverno está a chegar.

Se ao menos pudéssemos ouvir as histórias mágicas do Avô Lop — disse um dos coelhinhos — já não arranjávamos mais problemas.

Mas a magia não existe! — disseram, zangados, os coelhos mais velhos. — Vocês mentiram.

Nós não mentimos! Nós dissemos a verdade e, se tivessem vindo connosco, ter-lhes-íamos mostrado que a magia existe mesmo.

Os coelhos mais velhos pensaram por uns instantes e decidiram:

Vamos convosco visitar esse Mago da Floresta, só para vos provar que a magia não existe.

E lá seguiram todos, aos saltinhos, pelo longo e sinuoso carreiro da floresta, até chegarem ao tronco onde o Avô Lop esperava sentado. Estava, como sempre, a apanhar sol, e a contemplar tranquilamente o céu. Os coelhinhos sentaram-se aos seus pés, num ápice, enquanto os coelhos mais velhos se acomodavam, cépticos, num cepo velho e apodrecido.

O Avô Lop reclinou-se para trás e, com um brilho nos olhos, começou, numa voz suave e baixa:

Há muito tempo, numa terra de névoa e magia, havia uma floresta encantada…

Os coelhos mais velhos arregalaram os olhos de espanto ao verem o Avô Lop endireitar-se cada vez mais. À medida que ia contando a história, a luz do sol como que emanava dos seus olhos castanhos e faíscas de magia começavam a cintilar por toda a floresta. Enquanto contava a história, o seu pêlo passou de branco a prateado e transformou-se no verdadeiro Mago da Floresta.

Quando a história chegou ao fim, um maravilhoso fim, todos os coelhos, novos e velhos, estavam completamente encantados. A beleza do momento era tal que alguns dos coelhos mais velhos tinham lágrimas nos olhos.

Ninguém disse uma única palavra com o medo de quebrar aquele encanto. Mas, um a um, todos se aproximaram do Avô Lop e abraçaram-no com todo o amor que tinham no coração.

Os coelhos mais velhos nunca pediram desculpa pelo mal que tinham feito aos coelhinhos e ao Avô Lop, porque todos sabiam que, às vezes, até os mais velhos cometem erros. Mas agora, todos os dias, à mesma hora, os coelhos saltam da moita e correm a ouvir o Avô Lop e a vê-lo transformar-se no Mago da Floresta.

Escutem os mais velhos,

E as suas histórias douradas;

E lembrem-se do Avô Lop

E das magias reveladas.

Stephen Cosgrove
Grampa-Lop
Los Angeles, Sloan Publishers Inc., 1981

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