Desprendimento


O presente da costureira de colchas

Era uma vez uma costureira de colchas que vivia numa casa no cimo das montanhas de bruma azulada. Até o mais idoso dos tetravôs não se lembrava de um tempo em que ela não estivesse lá em cima a coser, dia após dia.

Aqui e ali, e onde quer que o sol aquecesse a terra, dizia-se que ela fazia as colchas mais belas que alguma vez se tinha visto.

Os azuis pareciam vir do mais profundo do oceano; os brancos, das neves mais boreais; os verdes e os púrpuras, das abundantes flores silvestres; os vermelhos, os cor-de-rosa e os cor-de-laranja, do mais maravilhoso dos pores-do-sol.

Algumas pessoas diziam que os seus dedos eram mágicos. Outras murmuravam que as suas agulhas e tecidos eram dádivas do povo das fadas. E outras diziam ainda que as colchas tinham caído de anjos que por ali passavam.

Muita gente subia a montanha, com os bolsos a abarrotar de oiro, na esperança de comprar uma daquelas maravilhosas colchas. Mas a costureira não as vendia.

— Dou as minhas colchas aos que são pobres ou não têm casa — dizia a todos os que lhe batiam à porta. — Não são para os ricos.

Nas noites mais frias e escuras, a costureira descia até à cidade, no sopé da montanha. Percorria as ruas calcetadas até encontrar alguém a dormir ao relento. Então, tirava do saco uma manta acabada de fazer, enrolava-a nos ombros dos que tremiam de frio, aconchegava-os bem, e afastava-se depois em bicos de pés.

No dia seguinte, depois de beber uma chávena fumegante de chá de amoras, começava uma nova manta.

Por esta altura, vivia também um rei, senhor de muito poder e ambição, que, mais do que tudo, gostava de receber prendas.

Os milhares e milhares de lindíssimos presentes que recebia pelo Natal e pelo seu aniversário nunca lhe chegavam. Proclamou, então, uma lei que dizia que o rei passaria a festejar o seu dia de aniversário duas vezes por ano.

Quando isto também deixou de o satisfazer, deu ordens aos seus soldados para procurarem pelo reino as poucas pessoas que ainda não lhe tinham dado prenda alguma.

No decurso dos anos, o rei foi ficando com quase todas as coisas mais bonitas do mundo. Os seus inúmeros bens estavam empilhados um pouco por todo o castelo. Em gavetas ou prateleiras, em caixas e arcas, em armários e sacos.

Coisas que brilhavam, cintilavam e tremeluziam.

Coisas extravagantes e práticas.

Coisas misteriosas e mágicas.

Eram tantas, que o rei tinha uma lista de tudo o que possuía.

Mas, apesar de ser dono de todos estes tesouros maravilhosos de desfrutar, o rei não sorria. Não era nada feliz.

— Deve haver, algures, algo de bonito que me faça, finalmente, sorrir — ouvia-se o rei dizer muitas vezes. — E hei-de
tê-lo.

Um dia, um soldado entrou precipitadamente no castelo com a notícia de uma mágica costureira de colchas que vivia nas montanhas.

O rei bateu com o pé no chão.

— E por que razão essa pessoa nunca me deu nenhuma das suas colchas de presente? — perguntou ele.

— Ela só as faz para os pobres, Vossa Majestade — respondeu o soldado. — E não as vende por dinheiro algum.

— Isso é o que vamos ver! — bradou o rei. — Tragam-me um cavalo e mil soldados.

E partiram à procura da costureira de colchas.

Quando chegaram a casa dela, esta limitou-se a rir.

— As minhas colchas são para os pobres e necessitados, e vê-se facilmente que não és nem uma coisa nem outra.

— Eu quero uma dessas colchas — exigiu o rei. — Talvez seja o que finalmente me fará feliz.

A mulher pensou por um momento.

— Oferece tudo o que tens — disse — e então far-te-ei uma manta. Por cada prenda que deres, acrescento um quadrado à manta. Quando tiveres dado todas as tuas coisas, a tua manta estará terminada.

— Dar todos os meus maravilhosos tesouros? — gritou o rei. — Eu não dou, eu recebo!

E, dito isto, deu ordem aos soldados para se apoderarem da linda manta de estrelas da costureira.

Mas, quando se precipitaram sobre ela, a mulher lançou a manta pela janela e uma forte rajada de vento levou-a.

O rei ficou muito zangado. Levou a costureira montanha abaixo, atravessou a cidade e subiu outra montanha, onde os seus ferreiros reais fizeram uma grossa pulseira de ferro. Acorrentaram-na a uma rocha, na gruta de um urso que estava a dormir.

O rei pediu-lhe novamente uma manta, e uma vez mais ela recusou.

— Muito bem, então — respondeu o rei. — Vou deixar-te aqui. Quando o urso acordar, tenho a certeza de que vai fazer de ti um óptimo pequeno-almoço.

Quando, algum tempo mais tarde, o urso abriu os olhos e viu a costureira na gruta, equilibrou-se nas fortes pernas traseiras e soltou um rugido que sacudiu os ossos da mulher. A costureira ergueu os olhos para o urso e abanou tristemente a cabeça.

— Não admira que sejas tão resmungão — disse. — Para além de rochas, não tens nada onde possas à noite descansar a cabeça. Arranja-me um braçado de agulhas de pinheiro e, com o meu xaile, far-te-ei uma almofada grande e fofa.

E foi isso que fez. Nunca ninguém fora antes tão amável para com o urso, que partiu a pulseira de ferro da mulher e lhe pediu que lhe fizesse companhia durante a noite.

Mas, embora o rei desempenhasse bem o papel de homem ambicioso, desempenhava mal o papel de homem malvado. Durante toda a noite não conseguiu dormir, a pensar na pobre mulher, na gruta.

— Oh, meu Deus, o que é que eu fui fazer? — lamentava-se.

Acordou os soldados e lá marcharam todos em pijama até à gruta, para a salvarem. Mas, quando chegaram, o rei encontrou a costureira e o urso a tomarem um pequeno-almoço de frutos silvestres e mel.

Então, o rei esqueceu por completo a pena que sentira e voltou a ficar zangado. Ordenou aos construtores reais de ilhas que construíssem uma ilha tão pequena que a costureira só lá pudesse ficar em bicos de pés.

Novamente o rei lhe pediu uma manta e novamente ela recusou.

— Muito bem — respondeu o rei. — Esta noite, quando estiveres demasiado cansada para te manteres em pé e quiseres deitar-te para dormir, afogar-te-ás.

E o rei deixou-a só na minúscula ilhota.

Pouco depois de ele partir, a costureira viu um pardal atravessar o grande lago. Soprava um vento forte e violento e o pobre pássaro não parecia capaz de chegar a terra. A costureira chamou-o e ele poisou no ombro dela para descansar. Como o pobre e cansado pardal estava a tremer, a senhora fez-lhe uma capa de um pedaço de tecido do seu colete púrpura. Quando a ave se sentiu mais quente e o vento parou de soprar, levantou voo de novo, grato pelo que a costureira lhe tinha feito.

Dali a pouco, o céu escureceu devido a uma enorme nuvem de pardais. Com as asas sempre a bater, milhares deles desceram, pegaram na mulher com os seus pequeninos bicos e levaram-na em segurança para terra.

Novamente nessa noite, o rei não conseguia dormir a pensar na senhora, sozinha na ilha.

— Oh, meu Deus, o que é que eu fui fazer? — lamentava-se.

Voltou a acordar os soldados que estavam a dormir, e lá marcharam em pijama até ao lago, para libertarem a costureira. Mas, quando chegaram, ela estava sentada no ramo de uma árvore a coser minúsculas capas cor de púrpura para todos os pardais.

— Desisto! — gritou o rei. — O que tenho de fazer para me dares uma manta?

— Como já te disse — respondeu ela — oferece tudo o que tens e eu faço-te uma manta. E, por cada prenda que dês, acrescento mais um quadrado à tua manta.

— Não consigo fazer isso! — gritou o rei. — Eu adoro todas as minhas lindas e maravilhosas coisas.

— Mas, se elas não te fazem feliz — retorquiu a costureira — para que servem?

— Lá isso é verdade — suspirou rei.

E pensou muito, muito, no que ela dissera. Pensou durante tanto tempo, que as semanas se sucederam umas às outras.

— Pronto, está bem — disse entredentes. — Se tenho de me libertar dos meus tesouros, então que seja!

O rei regressou ao castelo e procurou, de uma ponta a outra, qualquer coisa da qual conseguisse abdicar.

De sobrolho franzido, lá acabou por encontrar um simples berlinde. Só que o rapazinho que o recebeu retribuiu-lhe o gesto com um sorriso tão radiante, que o rei regressou ao castelo para ir buscar mais coisas.

Por fim, pegou num monte de casacos aveludados e foi distribuí-los pelas pessoas vestidas de trapos. Ficaram todas tão contentes, que se puseram a desfilar pelas ruas da cidade.

Mas, ainda assim, o rei não sorria.

Em seguida, foi buscar uma centena de gatos siameses azuis, que dançavam valsas, e uma dezena de peixes transparentes como vidro. Depois, deu ordem para que trouxessem para fora o carrocel com os cavalos verdadeiros. As crianças gritaram de entusiasmo e puseram-se a dançar em redor dele.

O rei olhou à sua volta e viu as danças, a felicidade e a alegria que os seus presentes tinham trazido. Uma criança pegou-lhe na mão e puxou-o para dançar. O rei agora sorria e até soltava gargalhadas.

— Como é isto possível? — exclamou. — Como é possível eu sentir-me tão feliz por dar as minhas coisas? Tirem tudo cá para fora! Tirem tudo imediatamente!

Entretanto, a costureira manteve a sua palavra e começou a fazer uma manta especial para o rei. Por cada presente que ele dava, ela acrescentava outro quadrado à manta.

O rei continuou a dar e a dar. Quando, por fim, não havia mais ninguém que não tivesse recebido alguma coisa, o rei decidiu ir pelo mundo e procurar outras pessoas que precisassem das suas prendas.

Antes de partir, o rei prometeu à costureira que lhe enviaria um pardal, de todas as vezes que desse alguma coisa.

De manhã, à tarde e à noite, as carroças partiam da cidade, cada uma delas carregada até cima com todos os objectos maravilhosos do rei. E durante anos e anos, os pardais mensageiros foram voando até ao peitoril da janela da costureira, à medida que ele ia esvaziando lentamente os seus carros por onde quer que passasse e trocava os seus tesouros por sorrisos.

A costureira trabalhava sem parar e, pedaço a pedaço, a manta do rei foi crescendo, cada vez maior e mais bonita.

Por fim, certo dia, um pardal cansado entrou-lhe pela janela e poisou na agulha. A costureira compreendeu imediatamente que este era o último mensageiro. Deu o último ponto na manta e desceu a montanha em busca do rei.

Após uma longa busca, encontrou-o finalmente. As suas vestes reais estavam agora em farrapos e os dedos dos pés espreitavam-lhe das botas. Os olhos brilhavam de alegria e o riso era maravilhoso e sonoro. A costureira retirou do saco a manta e desdobrou-a. Era de tal forma bela, que borboletas e colibris esvoaçavam à sua volta. Ergueu-se em bicos de pés e pô-la à volta do rei.

— O que é isto? — exclamou ele.

— Prometi-te há muito tempo — disse ela — que, quando fosses pobre, te daria uma manta.

O riso radiante do rei fez cair maçãs e levou as flores a voltarem-se para ele.

— Mas eu não sou pobre — disse. — Posso parecer pobre mas, na verdade, o meu coração está cheio a mais não poder, com as recordações de toda a alegria que dei e recebi. Agora sou o homem mais rico.

— Mesmo assim, fiz esta manta só para ti — disse a costureira.

— Obrigado — respondeu o rei. — Mas só fico com ela se aceitares uma prenda minha. Há um último tesouro que ainda não dei. Guardei-o todos estes anos para ti.

O rei retirou o seu trono do carro velho e frágil.

— É mesmo muito confortável — disse o rei. — E o ideal para quem passa longos dias a coser.

A partir desse dia, o rei voltou muitas vezes à casa da costureira de colchas, que ficava bem lá em cima, perto das nuvens.

Durante o dia, a costureira fazia lindas colchas que não vendia e, à noite, o rei levava-as para a cidade. Procurava, então, os pobres e infelizes, pois nunca se sentia tão feliz como quando dava alguma coisa a alguém.

Jeff Brumbeau
The quiltmaker’s gift
New York, Orchard Books, 2000

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