Comunhão


Escuta as vozes da terra


Durante a minha infância, o meu avô foi o meu melhor amigo. Quando estávamos juntos, tudo me parecia perfeito.

Gostávamos ambos de passear pelos bosques. Nunca íamos muito longe, nem andávamos muito depressa. Escolhíamos caminhos sinuosos. Enquanto caminhávamos, fazia-lhe imensas perguntas.

Avô, porque…?

O que se passaria se…?

Será que às vezes…?

Um dia, perguntei-lhe:

Avô, o que é uma oração?

O meu avô ficou em silêncio durante muito tempo. Quando chegámos junto das árvores mais altas da floresta, respondeu-me com uma pergunta:

Alguma vez ouviste o murmúrio das árvores?

Pus-me à escuta, atento, mas em vão.

Vê como as árvores sobem até ao céu. Tentam subir sempre mais. Querem chegar às nuvens, ao sol, à lua e às estrelas. Procuram elevar-se até ao céu.

Pensei nas árvores, procurei ouvi-las. Enquanto reflectia, sentei-me numa rocha velha, coberta de musgo. O meu avô explicou:

As rochas e as montanhas também falam connosco. A sua calma e o seu silêncio inspiram-nos tranquilidade.

Depois de ter reflectido durante bastante tempo, peguei numa pedra e coloquei-a no meu bolso.

Caminhámos um pouco mais, até junto de um ribeiro. A água borbulhava, cintilava, e viam-se pequenos peixes a nadar.

Avô, os ribeiros também murmuram?

Claro. Bem como todos os lagos, rios e cursos de água. Às vezes, correm tranquilamente. Espelham as nuvens, os pássaros, o sol ou as estrelas. Outras vezes, escoam-se em redemoinhos, lançam-se no mar ou evaporam-se no céu. E o ciclo recomeça… Também se riem e divertem com os seus amigos rochedos. Dançam, saltam, tornam a cair…

Mas a natureza conhece outras formas de se exprimir. As ervas altas procuram o sol e as flores exalam o seu perfume doce. Quanto ao vento, sussurra, geme, suspira, e sopra-nos as suas palavras.

Escuta o canto dos pássaros de manhã cedo, escuta o seu silêncio antes do nascer do sol. Consegues ouvir a melodia do pintarroxo ao cair da tarde? Os animais correm pela floresta, tornam-‑se reluzentes com a água, escalam montanhas, voam até às nuvens, ou refugiam-se na terra. É assim que todos os seres vivos participam na beleza do mundo…

Calámo-nos os dois. O meu avô olhava o horizonte e eu reflectia no que ele me tinha dito sobre as rochas, as árvores, a erva, os pássaros e as flores. Acabei por lhe perguntar de que modo rezavam os homens.

O meu avô sorriu e passou a mão pelos meus cabelos. Respondeu:

Tal como a natureza, os homens têm a sua linguagem própria. Podem inclinar-se para cheirar uma flor, ver o sol despontar no horizonte, sentir a terra mover-se docemente, ou saudar o dia que começa. Podemos passear num bosque coberto de neve num dia de Inverno e ver o nosso próprio sopro confundir-se com o sopro do mundo. A música e a pintura são também formas de nos exprimirmos, de falarmos…

Às vezes, sentimo-nos tristes, doentes ou isolados. Então, repetimos as palavras que os nossos pais e avós nos legaram. Mas é preciso que cada um encontre as suas próprias palavras. O que é importante é dizer o que verdadeiramente se sente, o que nos vem do coração.

Passado algum tempo, o meu avô disse-me que eram horas de regressar. Mas eu tinha uma última pergunta:

Há respostas para as nossas orações?

Sorriu.

Se as escutarmos atentamente, as orações contêm as suas próprias respostas. Nós somos como as árvores, o vento e a água. Não podemos mudar o que nos rodeia, mas podemos mudar-nos a nós mesmos. É evoluindo que transformamos o mundo.

Depois deste passeio, ainda voltámos a passear juntos. De cada vez, tentei escutar as vozes da terra, mas creio que nunca as ouvi.

Um dia, o meu avô deixou-nos. Continuei a pensar nele com todas as minhas forças, mas ele não voltou. Não podia voltar. Rezei até mais não poder. Depois, deixei de o fazer. Sem ele, tudo me parecia sombrio, e sentia-me muito só.

Alguns anos mais tarde, durante um passeio, sentei-me debaixo de uma árvore enorme. Os ramos mexiam e as folhas sussurravam. Ouvi o murmúrio de um ribeiro e o canto de um pintarroxo, pousado numa madressilva. Ouvi também um ligeiro sussurro, misturado com o sopro do vento, com o canto dos pássaros e com o marulho da água.

Tal como o meu avô me ensinara, a terra falava comigo. Então, também eu murmurei, docemente:

Obrigado pelas árvores grandes e pelas flores, pelos rochedos e pelos pássaros. E, sobretudo… obrigado pelo meu avô!

Foi então que algo aconteceu. Senti – outra vez – o meu avô perto de mim…

E, pela primeira vez desde há muito tempo, tudo me parecia perfeito.

Douglas Wood
Escuta as vozes da terra
Paris, Gründ, 2000

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